sexta-feira, 15 novembro 2024
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A casa mais vigiada da ciência

Desde 2002 (ano que entrei em Biologia na Unicamp) todo começo de
ano é a mesma coisa: chuvas, alagamentos, desabamento, gente desabrigada
e… Big Brother. Gostando ou não, todo ano ele está lá, isolando pessoas em
uma casa, onde devem desempenhar tarefas, disputar premiações, receber
punições e além de tudo isso… fofocar e criar intrigas. Ou seja, viver uma vida
normal. Mas você sabia que já houve realities shows científicos? E muitos deles
eram realmente selados e os integrantes deveriam produzir o próprio alimento.
Ficou curioso? Relaxa, leia até o final e saiba um pouco mais sobre a iniciativa
Biosphere 2.
Imagina um terrário enorme, essa era a iniciativa Biosphere 2. Uma área
de mais ou menos 1500 hectares (equivalente a 1500 campos de futebol). Lá
havia, uma pequena floresta tropical, um deserto, uma savana, um mar interno
com recife de coral. Além disso, campos agricultáveis e espaços de convivência
com quartos, cozinhas e banheiros. Tudo isso vedado por cúpulas de vidro. Essa
vedação era exigida, pois parte do experimento era verificar a dinâmica de gases
como o dióxido de carbono e o oxigênio. E sem isso provavelmente o
experimento não teria durado nem 2 anos. Se você buscar fotos, vai parecer
coisa de outro mundo. E essa era a ideia mesmo.
O experimento foi planejado a partir de 1984 por Ed Bass filantropo e
homem de negócios e Jonh P. Allen um ecólogo. Eles gastaram cerca de 150
milhões de reais para construir o complexo que iria abrigar 8 pessoas. As
construções ocorreram entre 1987 e 1993 pela empresa Space Biosphere
venture. A estrutura foi propositalmente instalada no deserto do Arizona, para
simular o ambiente hostil de um planeta como Marte, por exemplo.
A ideia era testar a capacidade de implementar sistemas fechados e
autossustentáveis (sem necessidade de suporte externo) que poderiam ser
colocados em outros planetas, assim constituindo colônias humanas no espaço.
Além disso, manter os ecossistemas isolados, embora seja extremamente difícil,
era uma maneira de tentar entender os fatores primordiais que asseguram a
existência dos biomas originais. Fora que, estar 24 horas imerso nos diferentes
biomas, com certeza, auxiliaria no entendimento das interações entre as
diversas espécies. Ou seja, a Biosphere 2 era um laboratório (um local onde
tentamos reproduzir, com segurança e total foco, as observações do mundo)
incrível construído para testar o nosso entendimento das interações entre os
seres vivos, como a matéria se comporta na natureza e de quebra para ver se
seríamos capazes de construir colônias fora da Terra.
Falando assim, parece ser algo fenomenal, que não poderia dar errado
certo? Bem, só de você, provavelmente, nunca ter ouvido nada a respeito, te dá
uma pista de que a iniciativa fracassou. Mas por que fracassou? Bem da verdade
houveram duas “expedições” (na ciência é assim, não deu certo? Repita para ter
certeza até estar convencido) e ambas terminaram da mesma forma: todos os
participantes eliminados e ninguém ganhou 1,5 milhão de reais, hehehe.
O primeiro deles fracassou por supostas fraudes implementadas ao longo
do experimento. A filtragem do dióxido de carbono deveria ser feita
exclusivamente pelas plantas internas. Mas algumas reportagens da época dão
conta da instalação de filtros de CO2, para dar aquela “auxiliada”. Além disso, os
níveis de oxigênio não se mantinham. Problemas na vedação e uma
contaminação com bactérias aeróbias, diminuíam os níveis desse gás tão
essencial para a produção de energia nas nossas células. Daí por diante foi
ladeira abaixo.
Diminuição da diversidade de plantas levou a morte de polinizadores,
como beija-flores e abelhas. Sem polinização, a produção de alimento diminuiu.
O que conseguia ser produzido, as infestações de baratas e formigas (originárias
de contaminações externas) se aproveitavam. Disso até os tripulantes
começarem a reclamar de fome foi um passo. Por se tratar de um espaço restrito,
muitas espécies que compartilhavam mesmos habitats e alimentos começaram
a competir pelos recursos, e algumas delas entraram em extinção. A coisa
estava dando tão errado que até no deserto interno choveu. Provavelmente por
falta de uma isolação adequada entre os ambientes. E você sabe o que ocorre
quando problemas se acumulam e fome se instala? Brigas! Praticamente o Big
Brother com a turma da xepa.
Fora tudo isso, havia problemas externos. A empresa idealizadora não
estava bem das pernas, operando com prejuízo de 20 milhões de dólares ao
ano. A junção de todos estes eventos levou uma das integrantes, Abgail Ailling,
a romper os selos das janelas, em 26 de setembro de 1993, exatamente dois
anos após o início do experimento. A iniciativa Biosphere 2 ensinou que controlar
todos os fatores de um experimento, mesmo em um laboratório isolado é
extremamente difícil e deixou bem claro como seres vivos são dependentes uns
dos outros. Para aprender essa lição os tripulantes tiveram que lidar com
extinção de espécies, proliferação de pragas, consequente desabastecimento,
fome e até uma pequena guerra. Parece familiar, não é?
Para saber mais:
Wikipedia: Biosphere2, acessado em 25/01/2021
Site: https://www.nytimes.com/2019/03/29/sunday-review/biosphere-2-climatechange.html acessado em 26/01/2021

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