sexta-feira, 22 novembro 2024
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O fim da picada

Olá pessoal.
Esse texto vai trazer algumas informações bastante interessantes sobre um assunto que todos parecem ter bastante interesse, porém ainda muito desconhecido: animais venenosos. Mas antes de entrarmos no assunto, preciso escrever três coisas importantes. Coisa número 1: preciso agradecer ao pessoal do site Itapira Agora por disponibilizar esse espaço para me dar a oportunidade de começar a fazer o trabalho que há tempos queria fazer, a divulgação científica. Há muitos divulgadores científicos de qualidade por aí (no youtube, por exemplo, esses serão citados, quando necessários, nos meus textos) mas tenho certeza que posso contribuir com algumas coisas. Coisa 2: preciso falar quais são as minhas intenções com essa coluna. Como eu disse, há tempos quero iniciar um trabalho sólido com divulgação científica, esse será o primeiro canal tentado (e espero que bem-sucedido). Por divulgação científica entendo a comunicação e dispersão de estudos e conhecimentos produzidos por meio da ciência (explicarei o que eu entendo por ciência em outros artigos). A divulgação científica tem por finalidade, por isso, a desmistificação, o esclarecimento e a familiarização de temas que estão sendo pesquisados nos grupos de pesquisa do Brasil e do mundo. Vacinas, transgênicos, evolução e a origem da vida, além de outros temas serão abordados aqui nessa coluna, ao longo de vários artigos.
Mas quem sou eu? Meu nome é Igor Rapp Ferreira da Silva, sou casado e residente em Itapira. Faço parte de uma linda família composta por minha esposa Simone, dois cães (Marie e Terry), uma gata (a Vicky), um peixe (o Leônidas) e um jardim com aproximadamente 100 espécies diferentes de plantas. Eu e minha esposa somos biólogos, como já deu para perceber pela nossa família. Professores em Itapira há sete anos, a Simone dá aula em uma escola particular da cidade e no ESO. As minhas aulas são no Pref. Munhoz, além de atuar como professor particular de Biologia, Química, Física e disciplinas de cursos superiores da área das Biológicas. Atuo, também, como revisor de texto de monografias e trabalhos universitários. Agora eu e minha esposa estamos começando um novo empreendimento na área da educação. Além disso, sou mestre e doutor em farmacologia, de 2008 a 2017 atuei isolando componentes de venenos animais e analisando os seus efeitos em testes em tubos de ensaios ou em animais de laboratório. Nesses 10 anos, trabalhei com veneno de aranhas, sapos e principalmente serpentes.
Sempre tive fascínio por animais venenosos, e duas perguntas sempre me guiaram através desse fascínio: o que é o veneno? e como tais animais podem ser tão mortais? Aliás, essa é a visão que a maioria das pessoas possuem desses animais: bichos nocivos e extremamente letais capazes de matar as suas vítimas em questão de segundos. E provavelmente, esse talvez seja o primeiro mito a bater: a letalidade desses animais. Para isso, analisei dados do estado de São Paulo e do Brasil, sobre a distribuição e letalidade (casos de óbitos) dos acidentes com esses animais, recentemente. Esses dados estão disponíveis no site do ministério da saúde e no centro de vigilância epidemiológica do estado de São Paulo .
No Brasil, entre 2010 e 2017, segundo o Ministério da saúde, foram notificados em torno de 1300000 de acidentes envolvendo animais peçonhentos. Cerca de metade desses, foram causados por escorpiões sendo as regiões Sudeste e Nordeste as mais afetadas. Serpentes e aranhas respondem por cerca de 18% cada e o restante (14%) está dividido entre peixes, sapos, medusas, lagartas, moluscos entre outros. Em São Paulo, nesse mesmo período, houve a notificação de 185 mil casos, desses cerca de 54% foram encontros com escorpiões, 17% com aranhas e 9% com serpentes. De uma maneira geral o que ocorre no Brasil, parece ocorrer no estado paulista, em ordem, e variando em números.
Sendo o encontro com escorpiões, aranhas e serpentes os mais notificados (eu acho que ocorrem mais acidentes com abelhas e vespas, mas pelas pessoas considerarem esses acidentes menos graves, não há notificação) eu pesquisei a letalidade desses casos. De uma maneira geral, os maiores atingidos, por animais peçonhentos, são trabalhadores e trabalhadoras rurais, fato explicado pelo caráter de serviço dessas pessoas. Porém, no período estudado os animais que mais causaram o óbito foram as serpentes (0,4%), seguidos escorpiões (0,1%) e aranhas (0,05%). Às vezes, trabalhar com porcentagens torna a reflexão um pouco difícil, por isso, vou por em números. Para 1000 pessoas mordidas por serpentes, apenas 4 chegam a óbito, para 1000 pessoas ferroadas por escorpiões, apenas 1 chegam a morrer. Para acidentes com aranhas é ainda melhor, para 10000 (dez mil) pessoas apenas 5 vão morrer. Para efeito de comparação, os acidentes de trânsito, somente em 2017, causou a morte de 35 mil pessoas.
E por que esses dados são interessantes? Porque o mito da letalidade desses animais gera medo e uma certa aversão a essas espécies, acarretando o extermínio de serpentes, escorpiões e aranhas sem nenhuma reflexão. Temos que ter em conta, também, o papel ecológico desses bichos. Aranhas, escorpiões e algumas serpentes se alimentam de insetos (por exemplo, baratas). Jararacas, cascavéis e surucucus comem roedores (sim, rato). Corais verdadeiras comem pequenos répteis e outras serpentes. Isso quer dizer que os animais peçonhentos são espécies de controladores naturais de outras espécies.
Além disso, devemos nos perguntar por que ocorre o encontro entre serpentes, por exemplo, e humanos. Devemos lembrar que Itapira e parte do Estado de São Paulo, originalmente, eram cobertos pela Mata Atlântica e espécies de jararacas, corais verdadeiras e surucucus são nativas dessas áreas. Era na mata que tais animais achavam o seu alimento e conseguiam sobreviver. Contudo, após o aumento da degradação dessas áreas para a implementação das atividades humanas (indústria, agricultura, etc.) os animais foram obrigados a dividir o seu espaço com os humanos. Isso mesmo! Os invasores somos nós! Essa é a verdade.
Adicionalmente, algumas vezes, nós mesmos facilitamos a instalação de animais peçonhentos ao nosso redor. No caminho para o trabalho, sempre passo por ruas entulhadas de lixo, restos de móveis e construções. Lixo orgânico espalhado pelas ruas é um chamariz para ratos e baratas e esses são alimentos perfeitos para serpentes e escorpiões. Madeiras, tijolos e, entulhos em geral, servem muito bem como refúgio para esses animais. Dessa forma, os grandes culpados pelos os acidentes com animais peçonhentos somos nós, ora por tirar a casa desses animais, ora por fornecer abrigo e alimento bem próximos das nossas casas.
O que devemos fazer é evitar os acidentes. Não espalhar lixo pelas ruas seria uma boa. Para os trabalhadores rurais, o uso de perneiras, botas, calças grossas e luvas evitaria 99% (segundo o ministério da saúde) dos casos de acidentes. E nenhuma dessas medidas leva a morte dos animais. Concluindo, tais animais não são letais, letais podem ser as nossas escolhas.

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