sábado, 23 novembro 2024
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O grande barato da maconha

No último dia 02 (dezembro), uma comissão de delgados da ONU
representando 52 países decidiu retirar a maconha da lista de narcóticos
perigosos. Essa droga estava ao lado de heroína nessa lista desde 1961 devido
ao seu potencial uso abusivo e danoso e sem nenhuma capacidade de produzir
vantagens em terapias. Embora essa mudança de postura não interfira nas
políticas internas de cada um dos países, ela significa um sinal de apoio àqueles
que encontram na maconha alguma utilidade. Mas será que somente o uso
medicinal já justificaria essa mudança de postura? Ou há algo mais nessa
história? Vamos começar a entender essa história.
A maconha é uma planta de origem asiática. Embora para alguns
estudiosos os primeiros registros de são de 12000 anos atrás, as evidências
mais inequívocas da utilização da Cannabis sativa, são da China de 5000 anos
atrás. Foi na região de Turpan que foram encontrados braseiros com resquícios
de cinzas contendo alto teor de Tetraidrocanabinol (ou THC). Além disso, em
dois cemitérios foram encontrados indivíduos enterrados com plantas dessa
espécie. Nessa época a utilização da Cannabis sp. para fins medicinais também
era proposta em tratados médicos chineses. Adicionalmente, ela era usada na
obtenção de papel, tecido e cordas.
Essas últimas finalidades foram bem difundidas na Europa da Idade
Média. Provas disso: as velas e cordames das caravelas de Pedro Álvares
Cabral e Cristóvão Colombo eram fabricadas a partir das fibras retiradas dos
caules dessas plantas. E mais! Há pelo menos dois relatos históricos de
governantes exigindo o cultivo de Cannabis sp. no continente recém-descoberto.
Hernán Córtez teria importando da Ásia e Europa pés da planta e cultivado nas
novas colônias espanholas. E no séc. XVI, o vice-rei português teria exigido o
plantio da planta em solo da capitania de São Paulo.
O uso recreacional-ritualístico viera com os primeiros escravos angolanos
trazidos para o Brasil. Além disso, essas pessoas trouxeram sementes e
difundiram o cultivo e utilização ritualística da erva. Para além do preconceito
que tal informação pode gerar na cabeça de algumas pessoas, os negros
angolanos faziam uso da erva principalmente em rodas de conversa e música,
assim como fazemos atualmente com outra droga. A proibição do uso da
maconha só se efetivaria, aqui no Brasil, em 1938 (Decreto-Lei 891) com a
primeira lei que proibiu o cultivo da Cannabis sativa e quaisquer variedades, bem
como a produção de qualquer artigo de origem canábico.

Essa descrição histórica da utilização da maconha não foi feita para
justificar a sua atual descriminalização ou total liberação do uso, acredito que
devamos discutir ainda mais esse tema. Por outro lado, ela serve para
contextualizar algumas perguntas: Se a utilização da maconha é tão antiga, por
que então ela foi proibida? E como podemos utilizar a Cannabis sp. de maneira
integral, para além dos usos tradicionais?
Vou me ater a tentativa de resposta da segunda, uma vez que sob o ponto
de vista de inovação científica essa parece mais interessante. À primeira me
restrinjo a dizer que não há, sob ponto de vista científico e atual muitas
evidências que suportem a proibição, uma vez que a maconha não é das drogas
mais viciantes, perdendo, aliás, para álcool e tabaco (que são legais).
Desde de 2010 para cá, houve um crescimento vertiginoso no número de
estudos científicos investigando as mais diversas utilizações para essa planta. E
o mínimo que pode ser dito é que a Cannabis sativa é uma planta versátil. Isso
por conta da sua incrível capacidade a adaptação ao ambiente. Para cada tipo
climático, de solo, ou quantidade de nutrientes, essa planta muda o perfil de
crescimento e de teores dos seus componentes químicos básicos: os
canabinóides. Isso é tão extremo que até hoje os estudiosos não têm certeza se
é apenas uma planta com três variações ou se são três espécies diferentes: C.
sativa, C.indica e C. ruderalis. Esse é um dos motivos pelo qual no texto, por
várias vezes, escrevi Cannabis sp.

Nesse caso o mais correto é diferenciar as plantas segundo as
quantidades de canabidiol (CBD) e tetaidrocanabinol (THC), já que esses são
considerados os principais canabinóides dessas plantas. Abaixo você tem uma
figura que resume bem essa distinção.

Enquanto variedades de plantas que se encaixam no tipo I são desejáveis
quando falamos de usos recreacionais, plantas do tipo II e III são cultivadas para
fins medicinais e industriais. Isso se deve aos efeitos de cada um desses
componentes no nosso organismo. O THC é o principal responsável pelos efeitos
de entorpecimento ou alteração de consciência. Já o canabidiol possui efeitos
de modulação de comportamento, e algumas atividades cerebrais. Alguns
estudos mostram que esse efeito modulador é extremamente benéfico no
tratamento de doenças como ansiedade, anorexia, ou ainda depressão.
Desejo expor aqui os outros usos. Como vimos, essa planta produz fibras
resistentes e por isso já foi muito utilizada como matéria-prima para papéis,
tecidos e cordas. Mas essas fibras, retiradas principalmente de caules, podem
ainda ser utilizadas na construção civil. No meio da argamassa ou ainda na
fabricação de tijolos, essas fibras podem dar elasticidade e resistência a esses
materiais e, além disso, tornar essa atividade um tanto quanto sustentável e
renovável.
Outro uso seria na remediação de solos poluídos. Alguns estudos
mostram que as plantas dessa espécie não só crescem em solos poluídos com
chumbo, níquel e cádmio como os retiram do solo. Mas não há nenhuma mágica
nisso: a maconha possui genes capazes de regular essa absorção e a faz ser
capaz de acumular tais poluentes em caules, folhas e sementes. Obviamente a
maconha utilizada para despoluir não poderia ser utilizada para alimentação ou
ainda na fabricação de tecidos e roupas, mas poderiam ser utilizadas, por
exemplo, na construção civil.
E se você leu atentamente o último parágrafo, deve ter estranhado quando
leu sobre alimentação, certo? Pois é, a Cannabis sativa é comestível! Não ela
toda, mas estudos indicam alto valor nutricional de suas sementes. Isso por que
essas sementes possuem altos teores de óleos vegetais (principalmente ômega
3 e 6), proteínas e carboidratos. Isso tudo além de possuir antioxidantes como
vitamina E e isoflavonóides (presentes na soja, por exemplo). Por isso ela está
sendo estudada como suplemento ou ainda um razoável substituto para que não
pode comer carne, nesse último caso sendo indispensável a suplementação
alimentar. E ninguém vai ficar viciado ou ter sua consciência alterada pelo
consumo de sementes de maconha. Já que os canabinóides quase não são
produzidos nas sementes, tendo sua alta concentração, principalmente nas
flores (ou melhor, inflorescências). Isso por que os tricomas (estruturas
responsáveis pela produção dos canabinóides) se concentram nesse órgão da
planta.

Esse teor de óleo é tão grande que ela é considera uma oleaginosa, do
lado da soja, da mamona ou ainda das castanhas. E parece que esse óleo todo
possui outra aplicação: produção de biodiesel. Isso aí! Fonte energética! Um
estudo de 2010 mostra que o óleo extraído dessas sementes possui
característica dentro dos padrões internacionais para a produção de biodiesel.
Cabe agora estudar a real viabilidade da Cannabis sativa para a produção de
combustível.
Pode parecer que não haja muitos motivos para investir no cultivo da
maconha, já que produzimos combustível a partir de outras plantas ou ainda
podemos utilizar outras espécies como fonte alimentar. Contudo, há outra
característica da Cannabis sp. que pode ter passado desapercebido por você: a
sua resistência a solos degradados e plasticidade. Ela se mostra uma ótima
opção e de baixo custo de implementação para áreas agrícolas já esgotadas por
outras lavouras. Dessa forma, o cultivo da maconha pode alavancar a produção
econômicas de áreas pobres e já degradadas enriquecendo não só os
produtores, mas também garantindo a segurança alimentar de muitas famílias.
Basta para isso uma mentalidade voltada para o futuro e livres de preconceitos.
A partir dessa mudança de postura em relação a maconha, podemos
ainda começar outras plantas que hoje também são negligenciadas por outros
motivos o que a longo prazo pode garantir e fomentar o desenvolvimento da
humanidade de forma plena.
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