Ultimamente estamos presenciando um movimento de vários setores
sociais contra a vacina. No passado, já houve outros momentos da história em
que a rejeição a vacinas ocorreu. Muitas vezes, esses movimentos são gerados
pelo desconhecimento em relação de como as vacinas são feitas, sua segurança
e seus efeitos. Outras, essa rejeição ocorre por motivos muito mais profundos
como já ocorrera com a Revolta da Vacina de 1904. Mas o que está acontecendo
afinal nesse contexto?
Antes vamos entender o que é uma vacina. Vacinas são compostos
utilizados para ativar uma resposta do nosso sistema de defesa contra algumas
doenças infecciosas. Elas têm, então, a finalidade de prevenir a disseminação
dessas doenças e a morte causadas por elas. Para isso elas são compostas por
várias substâncias. Algumas de origem biológica como fragmentos ou corpos
inteiros de vírus e bactérias. Outras possuem origem sintética como os
conservantes, estabilizantes que aumentam a vida útil da vacina. Além de alguns
óleos e compostos de alumínio com a função de aumentar ainda mais a nossa
resposta contra a vacina.
Mas fazer uma vacina não é um processo muito simples. É preciso um
esforço gigantesco que precisa mobilizar Estados, universidades, empresas,
agências regulatórias, pessoas experientes e muito dinheiro! Segundo alguns
estudos, uma vacina pode custar de 100 milhões a 5 bilhões de dólares. Essa
conta varia segundo, o conhecimento prévio, quantidade de pesquisa
necessária, número de pessoas mobilizadas e número de fracassos prévios. Isso
mesmo na pesquisa de medicamentos o que mais existe é o fracasso. Para que
um medicamento possa ser desenvolvido há, pelo menos, outros 10mil que
foram testados e falharam em sua capacidade de surtir efeito ou ainda
mostraram muitos efeitos adversos.
Para separar o joio do trigo um processo de fases sucessivas de testes.
Esse processo funciona como uma peneira de vários níveis, onde muitos são
postos dentro, porém somente um desses se torna um novo medicamento.
Essas fases possuem um fluxo que vocês verão a seguir.
Fase pré-clínica aonde estão concentrados os estudos sobre a doença
em si (sintomas, formas de transmissão e causadores, por exemplo). E os testes
das vacinas em células (os chamados testes in vitro) ou em animais (modelos in
vivo). Fase clínica dividida em 3 subfases: 1) Testes em poucas pessoas sadias
para avaliar reações adversas; 2) Testes em um grupo maior. Doses esquemas
de vacinação são testadas. As respostas imunológicas e reações adversas são
monitoradas; 3) Um grupo maior de pessoas (agora infectadas) são testadas
com as doses e esquemas comprovados na fase 2. Aqui a eficácia (capacidade
de imunizar contra a doença) é monitorada mais profundamente e dados
complementares de reações adversas são obtidos.
Após cada uma das etapas relatórios são emitidos e enviados para os
órgãos reguladores. Para a aprovação de novos testes. Ao final, se der tudo
certo, o órgão regulador (que já atuou em todas as fases) receberá os relatórios
comprovando as fases e avaliará o produto final. Se tive tudo certo, a empresa
terá a licença aprovada para a produção em larga escala e comercialização. Aqui
esse é o papel da ANVISA, órgão submetido ao governo federal que aprovou
todas as etapas das 4 vacinas contra a covid-19 que estão sendo testadas aqui
no Brasil. Se quiser mais informações sobre elas, vou deixar o link para a página
da ANVISA.
Isso mesmo são 4 vacinas testadas. Então por que estamos vendo uma
reação negativa somente em relação a coronavac da empresa chinesa Sinovac?
Infelizmente, esse viés pode estar relacionado a uma postura partidária de uma
parcela da população que está sendo influenciada pelo discurso inflamado de
muitos governantes que negam as evidências científicas quando essas se
opõem a sua estratégia de governo e de permanência no poder. Além disso, os
movimentos anti-vacinas já existentes podem sequestrar essa atenção dada às
vacinas para propagar a uma camada da população que antes não era
alcançada. Aliada a esses movimentos, a ausência de uma educação científica
para uma grande camada da população pode levar ao aumento da rejeição às
vacinas.
Seja por ser muito rigoroso ou por ser extremamente dispendioso ou ainda
pelo alto risco (sucesso de 1 em 10 mil), empresas não se sentem muito
impulsionadas a investirem em vacinas. Todos esses fatores combinados podem
fazer o processo demorar de 15 ou até 20 anos até o surgimento de uma vacina
eficaz e segura. Mas então como a coronavac e a vacina de Oxford estão tão
adiantadas em poucos meses, é mágica? Não há mágica nenhuma e sim
disposição em rever processos e otimizar etapas em um contexto de
emergência.
Em processos regulares, espera-se que submissão dos resultados às
agências reguladoras sejam enviados todos de uma só vez ao final de cada uma
Figura 1. Tabela de vacinas desenvolvidas em parceria aqui no Brasil
das fases. Tornando o início das próximas fases mais demorado. No contexto
pandêmico, em um esforço dos desenvolvedores e dessas agências, o processo
de submissão e análise de resultados está sendo feito continuamente. Isso faz
com que o período entre fases seja encurtado. Para entender melhor um gráfico
disso elaborado pela agência europeia de medicamentos.
Outro fator que pode impulsionar o desenvolvimento, são os
investimentos. Para se ter uma ideia, EUA estão investindo ao todo 6,1 bilhões
de dólares na pesquisa de vacinas e da covid-19, o Reino Unido, por sua vez,
investiu 1,7 bilhões. Essa quantia exorbitante de capital impulsiona a pesquisa
de vários institutos aumentando as chances da descoberta de algo significante
Além disso, a mobilização de pessoal com expertise na área é
fundamental para o desenvolvimento acelerado. Aqui no Brasil, não investimos
tanto em pesquisa, apenas 100 milhões de doláres, porém temos centro
renomados para o desenvolvimento dessas vacinas que podem se associar aos
Figura 2. Gráfico de duração das fases do desenvolvimento de vacinas em dois contextos diferentes.
desenvolvedores estrangeiros. Como é o caso da FioCruz (testando a vacina de
Oxford) e a Instituto Butantan (testando a Coronavac chinesa). Nesses dois
casos, ao final do processo haverá a transferência de tecnologia, mais um ganho
para a população brasileira. Começar de algo já conhecido também um passo
importante para a aceleração dos processos. No caso da coronavac, todos os
protocolos foram adaptados de uma vacina já desenvolvida contra a SARS em
2003.
Mas essas vacinas são seguras? No caso da vacina de Oxford, o pacote
de dados de segurança e eficácia estarão disponíveis até dezembro para a
avaliação da Anvisa, mas tudo indica que há segurança e eficácia no uso dessa
vacina. Já a coronavac, possui resultados em 50mil chineses mostrando apenas
5,3% de reações adversas. Na sua grande maioria casos leves, como dor no
local da picada e febre leve. Apenas 0,03% são de reações graves como: dores
de cabeça, febres mais intensas e fadiga. Níveis considerados normais pela
Anvisa já que a agência permitiu o teste em mais 4 mil voluntários. Porém, na
noite dessa segunda (9 de novembro) esse mesmo órgão decidiu interromper a
vacinação experimental para a coronavac devido a um caso de evento adverso
inesperado. Nesse instante a ANVISA está esperando documentos que
comprovem que esse evento não esteja relacionado com a aplicação da vacina.
Mas por enquanto não há nada de decisivo e permanente.
Com esse texto tenho a intenção de mostrar todos os esforços de
pesquisadores e agentes reguladores para tornar a vacina viável, segura e
eficaz. Quero deixar frisado que não devemos aceitar ser vacinados antes de
que todo o processo tenha sido concretizado, mas rejeitar qualquer uma das
vacinas nesse momento é fazê-lo sem base em nenhuma evidência científica.
Devemos deixar os nossos vieses políticos de lado para analisar questões de
saúde pública de maneira racional afim de proporcionar a população o melhor
tratamento possível.
Saiba mais:
Protocolo de aceleração adotado pela agência europeia de medicamentos
https://www.ema.europa.eu/en/human-regulatory/overview/public-healththreats/coronavirus-disease-covid-19/treatments-vaccines/covid-19-vaccinesdevelopment-evaluation-approval-monitoring
Explicação sobre as 4 vacinas testadas no Brasil
https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2020/fique-por-dentrodo-mapa-das-vacinas-em-teste-no-brasil
Reportagens sobre a coronavac
https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-10/coronavac-e-vacina-emteste-mais-segura-contra-covid-19
https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-09/covid-19-estudo-com50-mil-pessoas-aponta-seguranca-da-vacina-chinesa
Reportagem da revista Fapesp
Vídeo do Butantan sobre o processo de produção da coronavac
Artigos sobre os custos da produção de uma vacina
Gouglas et al. (2018). Estimating the cost of vaccine development against
epidemic infectious diseases: a cost minimisation study
Waye et. al. (2013). Vaccine development costs: a review