sexta-feira, 22 novembro 2024
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Quem tem medo de agulha?

Olá Pessoas!
Estamos em mais um texto dessa coluna. No texto passado vimos que no Brasil, os animais peçonhentos podem causar problemas, embora não sejam mais letais do que como tratamos os nossos resíduos domésticos. Ou seja, decisões individuais podem gerar repercussões que impactam a vida coletiva. E esse é o ponto de introdução para o assunto.
Um dia desses, vi uma reportagem bastante assustadora, contudo bastante esclarecedora. Na reportagem, do G1 listada abaixo, mostrava o aumento de casos de sarampo na cidade de São Paulo. Somente em 2019, foram 350 casos na capital paulista e 462 no Brasil inteiro. Pesquisando mais profundamente depois do estarrecimento descobri… (estarrecido ao quadrado) que esse é o segundo surto de sarampo nos últimos dois anos. Ano passado, devido ao fluxo de imigrantes ao Norte do país, foram notificados 10000 casos dessa doença nos estados do Amazonas, Pará e Roraima, entre outros. Assim como outras doenças, o sarampo pode ser chamado de imunoprevinível, ou seja, pode ser prevenido por vacina.

Aliás, segundo o site da OMS, a vacina contra o sarampo, que foi produzida em 1963, somente no período de 2000 e 2017, salvou 21 milhões de vidas. Contudo, mesmo assim, em 2017, 110 mil crianças abaixo de 5 anos morreram acometidas por essa doença. E não surpreendentemente, 95% dessas mortes ocorreram em países pobres. Segundo este mesmo órgão, em 2017, o sarampo foi detectado em 170 países, já em 2018, notificaram-se 82 mil casos de sarampo no continente europeu.
No contexto brasileiro, entre 2018 e 2019 houve aumento de 283% nos casos de coqueluche, no Distrito Federal houve a duplicação dos casos de caxumba. Lembrando: coqueluche e caxumba também são imunopreviníveis, assim como o sarampo. Alguns especialistas mostram um certo temor no ressurgimento da poliomielite, sem notificações desde 1998. Então, mesmo que tenhamos as vacinas para essas doenças, por que estamos presenciando o aumento dos casos?
A resposta, como sempre, é complexa e depende de muitos fatores. Segundo o nosso ministro da saúde, em uma reunião do Mercosul, em maio passado, para a discussão de uma agenda da saúde unificada, um dos fatores é o aumento de fluxo humano entre os países. Ou seja, com a migração humana, há o transporte das doenças. Para se ter uma ideia disso, o primeiro caso notificado de sarampo em terras paulistas, em 2019, foi “importado” de Israel. Mas, esse contágio ocorrerá somente se não houver vacinação eficiente da população. E aí está o segundo fator: a vacinação eficiente da população.

Infelizmente, parece que as pessoas não estão sendo vacinadas. Segundo o programa nacional de imunização, a cobertura vacinal necessária, para mantermos o Brasil livre do sarampo, seria de 95%. Isso quer dizer que para o total de nascidos em um ano, 95% desses devem estar vacinados. Conseguimos, manter esse nível até 2017, porém em 2018 esse nível caiu para 70%, aproximadamente. Isto é, menos pessoas estão sendo vacinadas.
Podemos tentar explicar esse fato de várias maneiras. Primeiro, o governo não está suprindo os estoques de vacinas. Mas essa não parece ser a causa da baixa na cobertura vacinal. Em 2014, o SUS disponibilizou 300 milhões de doses das 27 vacinas. No período entre 2003 e 2014 os investimentos subiram de 415 milhões para 2,9 bilhões de reais. Como não achei, nenhum documento que me diga o contrário, é provável que esse número de doses ainda é atual. Então, outra explicação possível seria a recusa pessoal de utilizar as vacinas.
E esse parece ser o mais provável. Há até um nome para esse processo: hesitação vacinal. Por que hesitar? Essa hesitação depende de variações no ambiente político e sociocultural de uma determinada localidade (guardem essa informação). Tais variações refletem na confiança que os indivíduos depositam na segurança, na necessidade e nos efeitos adversos das vacinas. Essa desconfiança em relação às vacinas sempre existiu, e muitas vezes é alimentada pelo desconhecimento. Porém, às vezes é alimentada por desinformação e notícias errôneas. Um desses casos é a publicação, em 1998, pela revista científica The Lancet de um artigo de Andrew Wakefield relacionando a vacina tríplice viral (vacina contra Sarampo, caxumba e rubéola) ao autismo e outras doenças. Entretanto, outros estudos foram realizados e mostraram que os resultados não eram reprodutíveis o que levou a própria revista, em 2010, publicar uma retratação em relação ao caso. Mas muito tarde, pois a repercussão desse estudo levou a uma queda nos níveis de vacinação no Reino Unido e na Irlanda.
O sucesso das vacinas possui um efeito paradoxal. Quanto mais bem-sucedida é a vacinação, menos casos de doenças imunopreveníveis e mais as pessoas questionam a real necessidade delas. Além disso, os possíveis efeitos adversos podem ser desencadeadores da hesitação vacinal. A produção e os efeitos colaterais já noticiados serão objetos de outro texto. Mas aqui podemos fazer um exercício interessante. Tomemos como exemplo o nosso já conhecido sarampo. O sarampo é uma doença causada por vírus, que acomete o sistema respiratório, onde pode causar problemas graves semelhantes a pneumonia o que pode levar a morte. Além disso, pode levar a cegueira, principalmente em crianças com deficiência em vitamina A, países pobres ou em crise humanitária são os mais afetados por essa doença. Ou seja, cegueira, pneumonia e morte são alguns dos efeitos em crianças não vacinadas. Será que há efeitos adversos mais graves do que estes?
Para a OMS, o que torna uma região (como a Europa) suscetível ao ressurgimento de doenças sob controle é a diminuição da vacinação em uma localidade. Vamos supor que em 2003, um brasileiro vá para a Irlanda nas suas férias. Ele não sabe, mas está carregando o vírus do sarampo. Isso é possível, por que nos primeiros dias de doença, ela é muito parecida com uma gripe. O que ocorreria, já que nessa época houve uma queda na cobertura vacinal nesse país? Fácil, haveria a disseminação da doença, porém as pessoas afetadas seriam tratadas e em quase a totalidade dos casos, curada sem maiores crises. Mas se esse brasileiro fosse um paulista, de 2019, indo para a Síria? Será que o sistema de saúde sírio conseguiria conter os casos sem mortes? Difícil saber.
Portanto a recusa em se vacinar ou vacinar os seus filhos, por medo, desinformação, ou por não achar necessário, pode acarretar problemas maiores de saúde para outras pessoas. Afinal de contas, basta uma pessoa infectada para haver uma potencial disseminação da doença. Novamente, as nossas ações e decisões individuais, muitas vezes baseadas em achismos ou desinformação, tem peso e repercussões coletivos. Dessa forma, não somos responsáveis somente por nós, muitas vezes somos responsáveis pela extensão de nossos atos.

Para dúvidas, sugestões ou críticas: divulga.rapp@gmail.com.

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