Hoje estamos vivendo uma crise sanitária de proporções globais. A covid-19
é uma doença que ameaça a todos. Mas com o avanço científico ocorrido nos
últimos três séculos somos capazes de saber exatamente quem o nosso inimigo:
um vírus. Acredite, isso é um avanço tremendo! os nossos antepassados do século
16 discutiam, ainda se as doenças eram pragas divinas ou causadas por mal cheiro
proveniente do lixo. Somente no século 17 é que começamos a enxergar os
micróbios, através de microscópios.
Embora não sabemos dizer se um vírus é um ser vivo, sabemos da sua estrutura
básica. Um arquivo molecular contendo todas as características para a produção em
série desses invasores, feito ou de DNA ou de RNA (moléculas das quais são feitos,
também, os arquivos das nossas células). Esse material viral é guardado numa
cápsula de proteína e açúcares com uma importância absurda que veremos a
seguir. Se células são pequenas (10 vezes menores que um milímetro e vistas
somente por microscópios ópticos) vírus são muito menores. O SARS-COV2, por
exemplo, é 1000 vezes menor que uma célula.
O interessante dessa conversa é pensar em como é possível uma coisa tão
menor, que nós mesmos, pode influenciar todos os comportamentos de uma
sociedade. Para isso, o vírus precisa invadir as nossas células, atravessando as
suas superfícies. Imagine a membrana plasmática (essa superfície das células)
como paredes que possuem várias portas, para abrir cada uma dessas portas é
uma chave específica. O SARSCOV-2 possui uma chave, a proteína spike (ou
proteína S) presente em sua “capinha”. Essa chave dá acesso ao vírus causador da
Covid-19 ao interior das células que compõem nossos rins, intestinos, pulmões e
cérebro! Esse espião já foi detectado dentro de neurônios e astrócitos que formam o
cérebro humano. Essa entrada é barulhenta e pode causar alterações importantes
na estrutura cerebral dos doentes de covid-19, mesmo em casos moderados. Todo
esse estardalhaço ocorre porque esse vírus mexe com o funcionamento dessas
células, fazendo com que a produção de energia seja alterada, o que pode levar a
morte dessas células.
Aparentemente outros resultados mostram que a proteína S é na verdade
uma chave mestra que é capaz de abrir mais de uma porta em mais de um tipo de
célula. Em um estudo de setembro de 2020 é possível ver essa versatilidade do
SARSCOV-2. Parece que o espiãozinho celular pode abrir portas em uma das
células mais importantes para a nossa defesa: os linfócitos T CD4. Desde o início da
pandemia, tínhamos a desconfiança de que ele era capaz de infectar essas células.
Muitos pacientes com casos graves tinham em seus organismos um número muito
menor do que o normal dos tais linfócitos. São essas células que decidem se serão
produzidos anticorpos. Sem esses “generais”, não há a produção específica de
anticorpos e a defesa do paciente deficiente.
Nesse estudo de setembro, pesquisadores da UNICAMP demonstraram a
interação da proteína spike com o CD4 (uma das fechaduras presentes na
superfície das nossas células). Além disso, os pesquisadores detectaram o
SARSCOV-2 no interior de linfócitos, algo nunca antes visto. Após outros
experimentos de bloqueio do CD4, os pesquisadores foram capazes de concluir que
a combinação da spike com o CD4 permite ao vírus entrar e multiplicar-se no interior
dos linfócitos T. Esse processo leva esse tipo de célula a um processo de stress e
morte prematura. Quando um número de linfócitos T é morto, o paciente torna-se
sensível a outras infecções, aumentando, assim, a gravidade da doença.
Esse processo de invasão dos linfócitos é utilizado por um outro vírus muito
conhecido dos humanos: o vírus da AIDS (o HIV). Isso não quer dizer que o
coronavírus cause AIDS, longe disso. AIDS e COVID-19 são doenças totalmente
diferentes, porém seus causadores utilizam os mesmos meios para invadir a mesma
célula somente. O estudo ainda está em fase de publicação, mas se confirmado
explica uma face ainda não compreendida do vírus causador da COVID-19, o
enfraquecimento das nossas defesas. Por que somente algumas pessoas
desenvolvem formas graves de Covid-19? Como bloquear essa invasão? São
algumas perguntas que podem ser respondidas a partir desse estudo.
Saiba mais:
https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/10/14/covid-afeta-o-cerebroe-pode-causar-alteracoes-mesmo-em-pacientes-leves-aponta-estudo-preliminar.ght
ml
https://agencia.fapesp.br/sars-cov-2-usa-estrategia-similar-a-do-hiv-para-infectar-cel
ulas-de-defesa/34264/#:~:text=%E2%80%9CFizemos%20esse%20ensaio%20apen
as%20com,final%20do%20per%C3%ADodo%20de%20observa%C3%A7%C3%A3o